2024-10-07
Palavras chave
eucaliptos reflorestacaoDe facto, felizmente, na Serra da Estrela não existem, por enquanto, povoamentos de eucaliptos. Mas, atenção, que os povoamentos já avançam nas zonas marginais e esta nova realidade poderá alterar o quadro do risco de incêndios nesta região montanhosa.
Ao contrário do que tem vindo a ser afirmado por algumas pessoas que têm estudado a problemática dos fogos no nosso país, o eucalipto não tem o mesmo comportamento que a generalidade das outras espécies florestais perante o fogo. Quando o calor é muito, sabemos, não há escapatória. Tudo arde, até o ser humano, cujo corpo é composto por 70% de água e tem pernas para fugir, ao contrário das árvores e das casas.
Ao longo da minha vida procurei interpretar o comportamento dos fogos o melhor que pude e soube. Frequentei as primeiras formações das Brigadas de Investigação de Fogos Florestais (BIFs), que nos habilitava a identificar as causas da ignição, mas, dificilmente, os autores.
Causa-me uma preocupação profunda observar a surpresa generalizada que os incêndios, recentemente ocorridos na região de Aveiro, causaram na sociedade, demasiado previsível para quem percorresse a A25. Quem lida com os fogos há décadas – como é o meu caso – e tem uma visão casuística do território, saberia que os incêndios que ocorreram nesta região, no losango compreendido entre Oliveira de Azeméis, Sever do Vouga, Albergaria-a-Velha e Águeda, reunia as condições necessárias para que lhe sucedesse uma tragédia. A mancha extensa e descontinuada de eucaliptal que cobria os montes que a ladeavam numa imensidão de pequenos vales encaixados entre si, constituiu o cenário perfeito para aquilo que aconteceu. Se não houve danos maiores, nomeadamente, com a perda de vidas humanas, é caso para dizer que ainda há milagres.
Há vários anos que tenho vindo a alertar para a importância de se recair, efectiva e eficazmente, sobre as implicâncias associadas à prevenção e combate aos incêndios, bem como os danos consequentes. Porém, talvez o facto de o meu discurso carecer de credibilidade académica, não me tem sido possível causar o impacto de que é merecedora tal discussão. É, no entanto, justamente o baixo nível de rigor científico e técnico que me deixa inquieto, aquando da abordagem ao tema dos fogos, em particular, quando o mesmo é discutido na comunicação social, esse mar incerto e duvidoso, onde indivíduos formados expressam ideias perigosas e pouco fidedignas, circunscritas em pontos de vista tendenciosos, que raramente dignificam o todo desta grande questão. Pensemos, ainda, na quantidade de sujeitos que dispõem de uma sabedoria vasta, porém, distante da realidade empírica, conhecida por todos aqueles que, por outro lado, foram obrigados, pela força das circunstâncias, a enfrentar as chamas.
É com tristeza que constato que as universidades portuguesas pecam ao privarem os alunos do contacto com o meio exterior, dedicando muito pouco tempo na formação dos mesmos fora dos estabelecimentos de ensino. Não é por acaso que nos deparamos sistematicamente com portugueses no estrangeiro referindo ter aprendido mais num ano lá fora, que vários anos em Portugal. Assumo possuir o ponto de vista de quem carrega o saber das Academias, mas não deixo de afirmar a existência desta lacuna a nível nacional, até pela experiência vivida na primeira pessoa de contribuição para estudos científicos, em Portugal e no estrangeiro.
Houve quem procurasse minimizar e, até, ridicularizar pontos de vista de que sou detentor, por defender que os eucaliptos, ao contrário das demais espécies, criavam dinâmicas específicas às chamas, por se tratar de uma árvore muito flexível. De facto, esta constitui uma característica que potencia as emissões de oxigénio (efeito de abano*), o maior responsável pela velocidade de propagação das chamas, além das projecções que não contestam a propagação do fogo a grandes distâncias.
Os relatos das pessoas que viveram o drama, bem assim como as imagens e reportagens das televisões, foram a evidência do que penso sobre o comportamento dos eucaliptos. Enquanto a generalidade das restantes árvores se mantém irtas perante as chamas, os eucaliptos, dada a sua flexibilidade, balançam-se em várias direcções. Ora, cada eucalipto corresponde a um abano, que multiplicado pelos milhões de eucaliptos que arderam, será fácil admitir que no fogo se deram milhões de abanos que serviram oxigénio às chamas.
Nenhum outro estudo que me foi sugerido analisar aquando desta hipótese, em particular, por todos aqueles que com ela discordam, faz qualquer análise sobre o efeito de abano nos eucaliptos. A incidência desses estudos dedica a sua atenção para o comportamento das diversas espécies florestais nos incêndios, em circunstâncias e parâmetros idênticos, interessantes, é certo, mas que não dão qualquer resposta para as dúvidas que teimo manter.
Por alguma razão as pessoas diziam que o vento era muito forte: vindo de várias direcções, com labaredas que surgiram muito rápido, chegando a afirmar-se que havia vento com velocidades na ordem dos 45 kms/h. Basta verificar os registos do IPMA para constactar que nos dias e horas em que se desenvolveu o incêndio nunca tivemos tais valores. Aliás, eram mesmo muito mais baixos, nunca tendo ultrapassado os 33kms/h, e, nos três dias, a velocidade oscilou entre os 12 e 22 kms/h.
As duas imagens, uma datada de 2013, a outra de 2024 (escassos 11 anos), dão-nos uma ideia da ocupação dos espaços agrícolas por manchas de eucaliptos. Falamos de campos agrícolas marginais ao rio Caima, com solos férteis, que deixaram de ser cultivados porque os agricultores nunca foram vistos como um potencial, mas, ao invés, como um encargo para o país. O resultado não podia ter sido mais dramático.
A minha área de domínio é a Serra da Estrela que, em 2022, teve um incêndio que varreu, durante 12 dias, cerca de 30.000ha, uma área muito inferior à do incêndio da região de Aveiro, que ultrapassou essa dimensão em menos de 3 dias. Algo existiu de diferente para que em apenas – e realço – apenas! 3 dias tivesse ardido mais área em Aveiro do que aquela que ardeu na Serra da Estrela em 12. Para não falar dos 1.700 efectivos no incêndio da Serra da Estrela, número que nunca chegou a ser alcançado pelos fogos de 2024.
Considerando que a redução da massa combustível por acção do fogo controlado é um mecanismo importante para a minimização do risco de fogo, o mesmo pode ser nefasto em áreas de grande inclinação, como acontece, por exemplo, nas vertentes da Serra da Estrela. Na verdade, ao contrário do que também se tem vindo a afirmar, a retirada dos sobrantes florestais (i.e., material lenhoso como ramos, galhos, folhas, pernadas, etc.) não só conduz à perda de solo, como impossibilita a sua recuperação. De facto, o crime ambiental que se tem cometido com a retirada destes sobrantes, não só expõe aos agentes erosivos o pouco solo existente, como não permite a sua recuperação. De forma adicional, há-que ter em conta as consequências para a recarga dos lençóis freáticos, fundamentais para se continuar a ter água nas fontes, bem como humidade, que permitam a sobrevivência das plantas.
Esperemos que neste Outono a precipitação seja generosa, caso contrário, iremos testemunhar mais um evento de catástrofe ecológica, à semelhança do sucedido em 2022 na Serra da Estrela, com a perda de milhares de metros cúbicos de solo que as centenas de rilheiras deixadas pela maquinaria pesada permitem escoar. Estas, abertas de acordo com o interesse dos madeireiros, sem qualquer controlo, irão ser o canal que orientará as águas, num processo irreversível de escoamento, porque nenhuma medida foi tomada para o evitar – para Serra da Estrela essa é uma grande vulnerabilidade.
Brevemente iremos apresentar as nossas propostas para fomentar o debate sobre um tema que tem acarretado graves prejuízos ambientais e económicos, principalmente para a população de Manteigas. A Serra da Estrela precisa de ter as suas encostas bem florestadas, mas na “eucaliptização” do país, todos somos responsáveis – uns por acção, outros por omissão!
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