2024-12-23
Palavras chave
arvores florestaSe as árvores falassem, talvez nos indicassem o caminho. Mas elas não falam e eu não sei qual é o caminho certo.
Durante toda a minha a vida, o Natal foi isto: família, presentes e comida na mesa. Os natais da minha infância fizeram de mim uma criança farta. Como cada pessoa recebia mais do que um presente, a árvore tinha sempre mais embrulhos do que a casa tinha pessoas. A casa estava sempre quente e bonita e eu era uma criança feliz.
Os natais que se seguiram, por via das naturais circunstâncias proporcionadas pelo crescimento, alimentaram a fartura que um dia essa criança viveu. O Natal passou a estender-se ao mês de Dezembro e deixou de ficar circunscrito aos dias 24 e 25. Se o mês tivesse mais que 31 dias, mais seriam os encontros de Natal, os restaurantes e os “amigo-secreto”. Este ano, na véspera da consoada, contabilizo 8 encontros, entre almoços e jantares, no espaço de 5 dias. Encontros para confraternizar, para comer e trocar presentes. O melhor é não fazer contas ao mês.
Mas quantos mais melhor, não é verdade? Quanto maior a família, quantos mais os amigos, quanto mais comida, quantos mais presentes… melhor.
Não sei qual é o caminho certo.
Descobri uma curiosidade peculiar sobre uma tradição norte-americana. Nesta altura, vive-se com entusiasmo a chegada da árvore de Natal que decora a entrada do edifício nova-iorquino Rockefeller Center. Esse entusiasmo, na verdade, começa uns dias antes, quando se dá o abate da “árvore perfeita”, seleccionada pelo jardineiro Eric Podge, responsável por eleger, anualmente, a melhor árvore para colocar em frente à praça do edifício. Podge tem padrões elevados: deve ser um abeto norueguês com pelo menos 21 metros de altura e 12 de largura. Milhares de pessoas movem-se para assistir ao abate, transporte e colocação do abeto numa das praças mais famosas de Nova Iorque. Há, inclusive, grupos corais que actuam no momento do corte.
E eu não sei qual é o caminho certo.
As árvores não falam nem fazem contas, mas se pudessem abrir a boca para nos indicar o caminho, diriam com tristeza que estamos perdidos. Enganámo-nos nos cálculos e seguimos a direcção errada. Mas ninguém deu conta e por isso não sabemos qual é o caminho certo. Estamos desencaminhados. Chamem os filósofos, os escritores e os poetas. Precisamos de ajuda para descobrir o caminho. Não chamem os matemáticos, nem os contabilistas – esses enganaram-se nas contas; e muito menos os jardineiros – porque esses, pelos vistos, andam a cortar as árvores. Compramos a felicidade, embrulhamo-la e oferecemo-la às pessoas que estimamos. Afinal, é útil o caminho do consumo, pois – certo ou errado – dá-nos o que precisamos. Felizes e insaciáveis são as pedras da calçada deste caminho.
Mas eu não sei qual é o caminho certo.
O bacalhau, o perú e as rabanadas. A camisola para estrear no dia de Natal. O presente para o pai, para a mãe e para o irmão. Uma camisola de malha com um padrão natalício para o cão. As prendas do amigo-secreto. A caixa de Ferrero Rochers. A fotografia com o Pai Natal. Os jantares e os almoços. A ida ao cabeleireiro e o verniz encarnado. Andar na pista de gelo. As luzes em todas as ruas, penduradas nas árvores impotentes. Ai se as árvores falassem…
Não sei qual é o caminho certo.
Não sei que mundo é este em que o caminho trouxe o homem a ter um filho, a escrever um post e a enfeitar uma árvore. Atingimos a felicidade e perdemo-la de seguida, uma e outra vez. Multiplicamos a família, os amigos e os presentes, mas o caminho não pode estar certo se para tudo isso dividimos o que realmente importa. Sacrificamos as árvores, coitadas, que não falam, porque se falassem, enchia-se o mundo de lamentos verdes, professando: “Não é esse o caminho certo!”
Mas as árvores falam.
Quando paramos para pensar, conseguimos escutar que o mundo não precisa de natais fartos mas, em vez disso, de sementes com fartura. De sementes de árvores, abetos noruegueses e outros – cujos genes confiram boca às árvores e consciência às pessoas. Não sei qual é o caminho certo, mas as árvores falam e o meu desejo este Natal é que as escutamos e possamos repensar o caminho.
Feliz Natal e um bom 2025. Com consciência.
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