Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2024-12-23

Poema Miguel Torga

Poema Miguel Torga

 

Palavras chave

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Foi assim que Miguel Torga viu a Serra da Estrela e, tal como Torga, é assim que a ASE procura admirá-la.

Mas e os serranos, o que dizem? O que querem para a sua Serra?

E os portugueses, o que querem, também eles, para esta região?

E os Presidentes das Câmaras? E o Parque Natural? E o Geopark?

Este lugar, que queremos de todos, deve ser sentido antes de pensado, pois não podemos pensar em coisa nenhuma se antes não ousámos sentir. Deixemo-nos sentir, então, as palavras de Miguel Torga.

 

(…) “Beira, quer já de si dizer beira da serra. Mas não contente com essa marca etimológica que lhe submete os domínios, do seu trono de majestade a esfinge de pedra exige a atenção inteira.

Alta, imensa, enigmática, a sua presença física é logo uma obsessão. Mas junta-se à perturbante realidade uma certeza ainda mais viva: a de todas as verdades locais emanarem dela. Há rios na Beira? Descem da Estrela. Há queijo na Beira ? Faz-se na Estrela. Há roupa na Beira? Tece-se na Estrela. Há vento na Beira? Sopra-o a Estrela. Há energia eléctrica na Beira? Gera-se na Estrela. Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e materno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. Gelada e carrancuda, cresta o que nasce sem a sua bênção; quente e desanuviada, a vida à sua volta abrolha e floresce. O Marão separa dois mundos — o minhoto e o transmontano. O Caldeirão, no pólo oposto de Portugal, imita-o como pode. Mas a Estrela não divide: concentra.

(…)

A Estrela, essa, guarda secretamente os ímpetos, reflectindo-se ensimesmada e discreta no espelho das suas lagoas. Somente a quem a passeia, a quem a namora duma paixão presente e esforçada, abre o coração e os tesouros. Então, numa generosidade milionária, mostra tudo. As suas Penhas Douradas, refulgentes já no nome, os seus Cântaros rebeldes a qualquer aplanação, os seus vales por onde deslizaram colossos de gelo, nos brancos tempos do quaternário. Revela, sobretudo, recantos quase secretos de mulher. Fontes duma pureza original, cascatas em que a água é um arco-íris desfeito, e conchas de granito onde se pode beber a imagem. O tempo demorou-se na solidão e no silêncio das suas lombas, e pôde construir à vontade. Abrir ruas, esculpir estátuas, rasgar gargantas, e até deixar desenhado o próprio perfil na curva de raio infinito de cada recôncavo.

Perder-se por ela a cabo num dia de neve ou de sol, quando as fragas são fofas ou há flores entre o cervum, é das coisas inolvidáveis que podem acontecer a alguém. Para lá da certeza dum refúgio amplo e seguro, onde não chega a poeira da pequenez nem o ar corrompido da podridão, o peregrino esbarra a cada momento com a figuração do homem que desejaria ser, simples, livre e feliz. (…)”

Miguel Torga

 
 
 

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