2024-11-09
Palavras chave
faias trilhosQuando, há algumas décadas, comecei a escrever sobre o disparate de gastar tempo e dinheiro, promovendo a neve, em detrimento do Outono, os ecos caíram – e caem, ainda hoje – em saco roto.
A Câmara Municipal de Manteigas, através do, então, vice-Presidente José Manuel Cardoso, deu, no entanto, início à prossecução de um trabalho que a ASE tinha iniciado uns 20 anos antes – a promoção dos percursos pedestres, uma aposta que o actual presidente do Município desta vila serrana, Flávio Massano, confirmou tratar-se “não de uma despesa, mas de um investimento”. De facto, não podia estar mais de acordo e os dados estão aí para o provar, através das 28 unidades turísticas divulgadas em sites de alojamento.
Mais recentemente, tem sido cada vez mais evidente a procura pelo bosque das Faias na encosta Oeste de São Lourenço. Aliás, não terá sido por acaso que a realizadora Catarina Vasconcelos terá escolhido este lugar para rodar o seu, várias vezes premiado filme, A Metamorfose dos Pássaros.
Conseguiu o presidente Flávio Massano ter a percepção desta dinâmica, pois deu sentido ao que era já uma evidência, contrariamente ao que até aí se constatou: a falta de capacidade e a sensibilidade necessária de que carenciaram os seus antecessores, para, de forma inteligente, promover as Faias, um pequeno bosque que os Serviços Florestais de Manteigas ali plantaram em meados do século passado.
Sobre as veredas, seria bom que a aposta que tem vindo a ser realizada por todos os Municípios com território no Planalto Superior, recuasse caminho e os mesmos tivessem a sabedoria para se questionar se o que pretendem promover não será incompatível com o estatuto de conservação que aquela pequena área da Serra da Estrela tem. Na verdade, há tanto por fazer nas zonas mais baixas, e as Faias são o exemplo mais claro que o comprova.
Quanto à dinâmica que o bosque das Faias apresenta actualmente, o pior que pode acontecer é que se ignore a pressão que lhe está associada. Não vamos mais longe: bastar-nos-á reflectir sobre a feira que lá fôra montada, revelando a falta de noção e a visão desadaptada, que resultou num ambiente ruidoso, com o apoio de uma aparelhagem sonora, que em nada respeita nem dignifica o espaço e o silêncio harmonioso que ali devem ser acautelados. Aproveitar a região não deve ser sinónimo de destruir o que de sublime a Serra tem para oferecer.
Não embarquemos, porém, na onda de ruído que se vai ouvindo sobre o movimento desmedido que a procura das Faias tem causado. Mas, simultaneamente, importa que não tropecemos na ingenuidade, minimizando um problema que, efectivamente, deve ser acautelado para que se mantenha a qualidade da oferta para todos aqueles que visitam a região. Só assim estes poderão levar consigo a mais sincera imagem sobre esta terra, não guardando na memória tudo aquilo que ela não deve ser.
Como já tenho vindo a referir, o Bosque das Faias não mereceu qualquer intervenção digna de registo que se destinasse ao pedestrianismo. Aproveitaram-se as infraestruturas que foram desenhadas para fazer a gestão florestal e urge, agora, avançar para obter as condições ideais, capazes de absorver o maior número significativo de visitantes que se tem vindo a verificar. Para isso, é necessário intervir com o mínimo impacto, muita criatividade, de forma a tornar possível uma oferta ainda mais interessante, promovendo novos horizontes e melhorando a capacidade de carga.
Por outro lado, e sendo evidente que estes nichos têm muita procura, é premente que se dedique mais atenção à diversidade dos lugares na Serra da Estrela e que a mesma possa oferecer condições de novas ofertas ao longo de todo o ano. São vários os sectores de actividade a serem atingidos, e para constatar este facto basta que observemos o cenário dos espaços de restauração – que facilmente se transformam em longas filas de espera e uma qualidade dos serviços que fica muito à margem da qualidade desejada. Enfim, tudo se transformaria num cenário caótico, provocado pela inexistência de um equilíbrio sazonal.
Ao contrário dos milhões gastos no calvário dos passadiços do Mondego, multiplicado por dois se pensarmos nas despesas da sua manutenção, sem a rede de protecção da Comunidade Europeia (atente-se ao que vai sucedendo com os passadiços do rio Paiva). No caso das Faias, uns míseros tostões serviram e, tal exemplo, deve ser o padrão para tudo o que se pretenda fazer na Serra da Estrela: imaginação, sensibilidade e respeito pelo Património Natural.
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