2024-11-09
Palavras chave
floresta incendiosA floresta portuguesa, os incêndios e a Serra da Estrela
Introdução
Na Reunião da Assembleia Municipal de Manteigas realizada em Sameiro a 30 de Junho de 2017 realizei uma Proposta que foi lida, aprovada e entregue em mão ao Senhor Presidente da Mesa da Assembleia, da qual transcrevo o ultimo parágrafo para se perceber como surgiu esta Moção:
“Tendo em conta estas pequenas considerações proponho uma discussão sobre este tema a partir de uma análise cientifica e política que apresentarei na próxima reunião da Assembleia Municipal e agradecia o agendamento na Ordem de Trabalhos sob o título: “A floresta portuguesa, os fogos e a Serra da Estrela”.
Tal como assumido por mim fiz um estudo detalhado sobre esta complexa problemática com o intuito desta Assembleia, após uma discussão alargada, assumir globalmente uma posição sobre o assunto e transmiti-la aos órgãos do poder central.
A floresta portuguesa é constituída por 84 diferentes espécies arbóreas indígenas, mas também por espécies exóticas que se comportam de forma invasiva onde predominam o Eucalipto e a Acácia Amarela (oriundos da Austrália).
Nas espécies indígenas dominam o Pinheiro-Bravo (Pinus pinaster),n Pinheiro-manso (Pinus pinea), Pinheiro silvestre (Pinus sylvestris), Plátano-bastardo (acer pseudoplatanus), Medronheiro (Arbutus unedo), Castanheiro (Castanea sativa), Alfarrobeira (Ceratonia siliqua), Azinheira ((Quercus rotundifolia), Choupo-branco (Populus alba), Cerejeira-brava (Prunus avium), Pereira-brava (Pyrus cordata), Carvalho-negral (Quercus fagina), Carvalho-alvarinho (Quercus robur) e Sobreiro (Quercus suber).
Hoje em dia nenhuma espécie autóctone é a dominante na floresta portuguesa. A área florestal em Portugal é ocupada em 23% por Pinheiro-bravo, 23% por Sobreiro, 11% Azinheira, 6% Pinheiro-manso, 2% Carvalho, 1% Castanheiro, 6% por outras folhosas e 2% por outras resinosas.
Quem domina a floresta portuguesa é uma espécie exótica, o Eucalipto com 26% de ocupação do território nacional.
Não nos podemos ainda esquecer que atualmente a floresta ocupa 35% do solo seguida por Matos e pastagens (32%) e Agricultura 24%. E se pensarmos na evolução da utilização do solo entre 1995 e 2010 (dados do INE) vemos que a Floresta diminuiu de 3305 para 3154, a Agricultura reduziu também de 2407 para 2114 enquanto Matos e pastagens cresceram de 2539 para 2853 em par com o crescimento da ocupação do solo pelas áreas urbanas (de 315 para 425- 35 % de aumento). Estes números reportam-se a milhares de hectares.
Percebemos que existe uma relação directa entre estas alterações na floresta portuguesa e o êxodo rural que iniciado nos anos 50, fundamentalmente para os países de emigração se intensificou depois nas décadas de 70/80 para as grandes cidades portuguesas.
Em 1975 defendia-se que Portugal estava condenado a ser uma potência florestal na Europa mas já nos anos 80 constatou-se que Portugal estava a perder o controlo sobre o seu mais importante recurso natural renovável.
Recuando historicamente sabemos que entre 1867 e 1995 a área ocupada pela floresta portuguesa cresceu de 14,1% para quase 39% do território nacional (quase triplicou). A força motriz desse crescimento foi a procura de matérias-primas para a industria da cortiça ou a necessidade de criar um “bom regímen das águas e defesa das várzeas, a valorização das planícies áridas e benefício do clima, ou a fixação e conservação do solo, nas montanhas e das areias no litoral marítimo” (Decreto régio de 1902). O governo mobiliza-se em volta de uma espécie indígena já utilizada no sec. XIII (D.Dinis) o Pinus pinaster.
A floresta autóctone de carvalhais, sobreiros e azinheiras estavam limitadas a pequenas manchas e o Estado Novo realiza um ambicioso programa de fomento florestal baseado no pinheiro até porque era uma “espécie nativa do mediterrâneo ocidental” e era uma árvore que sobrevivia em solos pedregosos e pouco fertéis das zonas serranas do Centro e Norte do país.
Nos anos 50 já o Estado Novo avança para as terras comunais, os baldios, que passam a ser a base de uma mega operação de arborização roubando os matos para alimentação dos gados que originam revoltas populares (vide “Quando os Lobos uivam” de Aquilino Ribeiro).
A florestação dos baldios com o Fundo de Fomento Florestal em 1954 muda radicalmente muitas zonas do interior (680 mil hectares plantados com pinhal). O Estado Novo já perspectivava a criação de áreas silvo-industriais para alimentar serrações ou fábricas de aglomerados.
Entretanto uma nova espécie introduzida em 1854 (vinda da Austrália e da Tasmânia) o Eucalyptus globulus (Eucalipto comum) inicia a sua história como árvore ornamental e depois expande-se pelos seus eventuais efeitos medicinais. A partir de 1950 a sua maior expansão deve-se à descoberta do seu enorme potencial de transformação industrial.
No final da década de 50 a Companhia Nacional de Celulose começa a produção de pasta (método Kraft) e em 1965 a empresa sueca Billerud AB (futura Celbi) começa a exploração industrial em maior dimensão.
Mas nesta altura o Eucalipto ocupava menos de 100 mil hectares contra 1,2 milhões de hectares do Pinheiro-bravo. Atualmente ocupa 812.000 contra 714.000 de pinhal.
Quando aderimos à CEE as espécies eleitas para suportar o “Sonho florestal português” eram o eucalipto e o pinheiro e este projecto foi financiado pelo Banco Mundial prevendo arborização com 100 mil hectares de pinhal e 50 mil de eucalipto para promover uma indústria em expansão. Contudo e tirando a Sonae ou a Tabopan eram só pequenas empresas e serrações que iriam alicerçar este projecto no que diz respeito ao Pinheiro. Como é óbvio o investimento no Pinheiro começou a decrescer o que foi aproveitado pelas celuloses para começarem a comprar todo o tipo de terras e a plantar indiscriminadamente eucalipto (vide imagens de arquivo da televisão com a GNR a carregar sobre as populações rurais do Norte que protestavam contra a “invasão do eucalipto”)
Desde o inicio do Estado Novo se percebe qual é o problema da floresta portuguesa que é maioritariamente “plantada” (28%), ao contrário do que se passa com outros países europeus (média de 9%), e ainda por cima que se baseia na arborização com 2 espécies: Pinheiro/Eucalipto. Este conceito de monocultura florestal (extensas áreas de floresta plantadas unicamente com uma destas resinosas) é o que há de mais incorrecto em termos científicos, ambientais e ecológicos.
Por isso não é de espantar que a área média anual de floresta ardida era de 44 mil hectares nos anos 80 e na década de 2000 passou a 104 mil (mais do dobro). E desde então tem vindo progressivamente a aumentar sem qualquer recuo.
E se analisarmos a questão da propriedade da Floresta constatamos que esta está distribuída por cerca de um milhão de proprietários alguns dos quais com áreas pequeníssimas de plantio ( uma dezena de pinheiros). E verificamos também que 50% dos povoamentos florestais estão em áreas onde não há cadastro, não se sabendo assim de quem são os terrenos.
O Associativismo florestal que infelizmente só existe em pequenas zonas consegue mobilizar proprietários e promover a limpeza das matas. Mas em enormes áreas como as do Pinhal Interior há donos de terras que não sabem que o são e terras de propriedade desconhecida.
Relativamente ao decréscimo impressionante do Pinheiro que já falei falta referir que ao longo dos últimos anos também tem vindo a desaparecer devido a dois factores: ser dizimado pelos incêndios e pela doença (nemátodo).
No principio da década de 90 quando, tal como agora, o somatório dos erros cometidos ao longo dos anos levava à queda da produtividade nas áreas plantadas, na perda da biodiversidade da floresta e principalmente ao aumento impressionante dos incêndios, o poder político decidiu que a floresta precisava de um ordenamento. Assim foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República em 1996 uma lei de bases que previa planos regionais de ordenamento, criação de “mosaicos” de espécies para travar o fogo, planos de gestão para explorações e zonas de intervenção para estimular o Associativismo.
Mas ao mesmo tempo tomavam-se decisões contrárias a estes propósitos (vide Governo de António Guterres sendo Ministro da Agricultura Gomes da Silva que acabou com a Direção Geral das Florestas (DGF) integrando-a nos serviços da Agricultura. A DGF sempre foi um serviço experiente, descentralizado e profundamente conhecedor da floresta portuguesa e com um corpo de funcionários mobilizado e activista. Hoje em dia a Administração Florestal Nacional tem apenas 540 funcionários (para uma área de 92212 Km2 enquanto que existem 10470 em Espanha (para uma área de 504.030 Km2), ou seja os nossos vizinhos têm 20 vezes mais funcionários para uma área só 5 vezes maior (dados do Relatório sobre a Floresta na Europa de 2015).
Se percebermos o ponto de vista do proprietário rural que deseja investir na Floresta também se torna claro que só há uma espécie que defenderá e darei um exemplo objectivo adiante.
Um eucaliptal numa zona minimamente produtiva pode produzir 15 metros cúbicos de madeira por hectare/ano e estará pronto para os primeiros cortes ao fim de 10 anos e o proprietário pode obter um lucro médio de 4.000 Euros por hectare.
O pinhal exige 30 anos para crescer e produzir madeira que interesse à indústria.
O carvalhal que fornece madeira para a industria da tonelaria demora ainda mais tempo a crescer e estar pronto para produzir.
Finalmente o montado de sobreiro rentável pela produção da cortiça só permite extração ao fim de 25 anos.
O velho adágio de que a floresta dá “despesa ao avô, trabalho ao pai e rendimento ao filho” foi posto em causa com a entrada do eucalipto e as industrias que fornece. Hoje 28% dos povoamentos florestais portugueses são plantados sendo o restante espaço considerado “seminatural”. Os valores médios na Europa são de 9% e em Espanha que já tomámos como exemplo comparativo só 15% da floresta é plantada.
O exemplo que apresentarei sobre a defesa intransigente do eucalipto é de um anuncio de página inteira que circulou nos jornais, da autoria da CELPA, Associação da Industria Papeleira que num texto de 700 palavras que tenta parecer o mais científico possível defende que “a reforma da floresta que está em curso representa muito provavelmente o maior atentado realizado à floresta portuguesa na história da democracia em Portugal”(sic) e que “vai reduzir o rendimento de 400.000 familias, donas de 98% da área de floresta no nosso país” (sic).
Mas na realidade se analisarmos a questão da floresta meramente do ponto de vista económico percebemos que defender-se a abolição do eucalipto ou a redução do pinhal, as duas espécies resinosas dominantes e portanto altamente inflamáveis criaria um buraco na economia sem resolver o verdadeiro problema da floresta.
Tal como defendemos desde que fundámos a Associação Cultural Amigos da Serra da Estrela deve haver faixas de folhosas entre as resinosas e deve-se apostar na variedade das espécies e sempre defendendo as autóctones. “A floresta autóctone funciona sempre como uma barreira de contenção” e além disso uma floresta multifuncional é capaz de produzir rendimentos para as comunidades locais.
Na prática é criar “mosaicos” de espécies , fazer aceiros que se devem limpar pelo menos de 3 em 3 anos e apostar na ampliação das áreas com espécies indígenas como azinheiras, carvalhos, castanheiros, sobreiros, teixos, medronheiros, pinheiros mansos e outras folhosas.
Esta lógica meramente científica esbarra quase sempre na capacidade de gestão política destas questões.
O problema florestal não reside apenas nas espécies florestais como já vimos, mas sim no modelo económico de gestão associado à estrutura da propriedade florestal. A lógica circular e integrada que em meados do século passado havia entre exploração agrícola, pecuária e florestal acabou após o êxodo rural (primeira pela emigração depois pela migração para as zonas urbanas) como já referimos.
É interessante verificar que os conceitos de divisão de classes que já vêm de Karl Marx aplicam-se na perfeição nesta problemática. Assim nas zonas do país onde predomina a grande propriedade florestal, a área ardida é normalmente pequena pois os seus proprietários têm condições económicas para fazer calmamente a gestão florestal preventiva.
Percebe-se assim que para além do obrigatório reordenamento das espécies florestais tem de se definir uma nova política de gestão florestal que para além de garantir a saúde da floresta e a sua preservação deverá ainda assegurar de forma correcta a viabilidade económica da exploração florestal e promover uma alteração radical da estrutura da propriedade florestal.
Se aprofundarmos o tema percebemos que o problema da gestão florestal é muito mais amplo que a simples planificação, organização e exploração da floresta. É fundamentalmente um problema de gestão das paisagens rurais nas quais se incluem para além dos espaços florestais, os matos que ocupam mais ou menos a mesma área (vide pag. 1 deste texto).
Assim e depois do êxodo já várias vezes referido, os proprietários passaram a confrontar-se com a necessidade de gerir os matos, o que anteriormente era feito pelo gado miúdo e pela roça para a cama do gado e agora passa a pesar na conta da exploração da mata.
Assim a grande maioria dos proprietários reduziu o seu investimento na produção florestal especialmente na fileira do Pinho. Os que se mantiveram no sector começaram a investir no eucalipto nas regiões do país que dão grande produtividade, no sobreiro onde estava o montado instalado e a gestão dos matos é feita fundamentalmente pelas actividades agrícolas e pecuárias, no pinheiro-bravo onde já estava instalado não necessitando assim de grande investimento, no castanheiro nas zonas que lhe são mais favoráveis e no pinheiro-manso onde era possível.
Ninguém duvida de que necessitamos de uma reforma florestal alicerçada numa análise científica séria da realidade da floresta portuguesa, no impacto económico que a floresta representa e nos meios necessários para manter a floresta saudável e viva, isto é, que não a deixem matar através do fogo ou de doenças.
Em alternativa à “lei da liberalização do eucalipto” da autoria de Assunção Cristas atualmente presidente do Centro Democrático Social (CDS), o atual governo aprova uma lei de limitação do desenvolvimento dessa espécie, que de facto dá imenso lucro às empresas privadas de pasta de papel, mas é a resinosa com maior potencial de combustibilidade dentro de todas as espécies conhecidas. Esta espécie seguindo a nossa linha de pensamento não tem de desaparecer da floresta portuguesa apesar de não ser nossa, mas sim integrar-se num mosaico florestal e nunca em monocultura extensiva.
Deverão ser os Planos Regionais de Ordenamento da Floresta a determinar que espécies plantar, onde, como e em que proporção relativa. Os municípios e os cidadãos devem contribuir para a fiscalização dos procedimentos determinados.
Existe necessidade absoluta de um cadastro de prédios rústicos apesar de sabermos das dificuldades técnicas e financeiras do mesmo. Mas sem ele não poderá haver nunca qualquer tipo de ordenamento florestal tornando-se portanto na pedra de toque de qualquer política de gestão florestal.
O cadastro florestal e rústico vai-nos dar a precisa definição e localização dos terrenos designados por baldios, os terrenos designados sem dono conhecido(?) e os restantes terrenos conhecidos como “terras sem dono”. É evidente que o conhecimento verdadeiro desta realidade poderá levar ao conceito de Banco de Terras que obrigatoriamente terá de passar para a tutela do Estado, isto é, ser nacionalizado para que não haja utilização do mesmo pelos monopólios da Industria pois voltaríamos à estaca zero, ou seja de novo ao principio do Pesadelo que é o atual estado da gestão da floresta portuguesa.
Tentando concluir a questão da Reforma Florestal o que nos falta são os instrumentos de gestão agregada do minifúndio florestal com incentivo ao desenvolvimento do associativismo e cooperativismo dos pequenos e médios proprietários.
2. Os incêndios
Os incêndios existem neste país e no mundo desde sempre. Há centenas de anos na Europa e ainda hoje em alguns países de África, do continente americano e na Austrália e Nova Zelândia faziam parte do ciclo habitual da Natureza.
Mas atualmente os incêndios existem nos ditos países civilizados nos quais o nosso está incluído por causas que nada têm a ver com o ciclo natural. As causas são múltiplas, algumas insondáveis e outras bem conhecidas (20 a 40% são acções criminosas).
Dizia Sara Sequeira da Associação Montis de Vizela: “O fogo não é nenhum bicho-papão. Faz parte do ciclo da Natureza. Mas temos de gerir a floresta de modo que o fogo não assuma proporções dramáticas”.
Neste país e no período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Julho de 2017 houve um total de 8.539 ocorrências (1925 incêndios florestais e 6614 fogachos) que resultaram em 128.195 hectares de área ardida de espaços florestais, entre povoamentos (76.422 ha) e matos (51.773 ha).*
Se comparáramos estes dados com o histórico dos 10 anos anteriores observamos que se registaram só neste período mais 6% de ocorrências e mais 485% de área ardida relativamente à média anual desse período. Mas apesar de tudo de 1 de Janeiro até 31 de Julho de 2017 há registo de 556 reacendimentos, menos 12% que a média anual dos últimos 10 anos. Isto significa provavelmente um melhor ataque ao fogo e feito de forma mais determinante.
Nas ocorrências temos de distinguir os incêndios florestais dos fogachos que são áreas ardidas com menos de 1 hectare de área. Felizmente são estes que são em maior número (6.614 fogachos para 1925 incêndios)*. Designam-se ainda os incêndios como “Grandes Incêndios” quando a área ardida é superior a 100 hectares. Até 31 de Julho de 2017 houve 60 incêndios desta categoria que queimaram 112.988 hectares de espaços florestais, cerca de 88% do total da área ardida.*
Os incêndios que decorreram dentro de terrenos pertencentes à Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP) foram até 31 de Julho de 2017 de 6.790 hectares em espaços florestais.
Felizmente que nas 8 Áreas Protegidas onde ocorrem incêndios a área ardida dentro do Parque Natural da Serra da Estrela só foi de 27 ha*, o que significa 0,03% da área total do Parque (89.132) e foi a Área com menor incidência de Fogo.
No relatório (5º) do ICNF que vai até 15 de Agosto descrevem-se 10.744 ocorrências (2.321 incêndios florestais e 8.423 fogachos) que resultaram em 164.249 ha de área ardida em espaços florestais (93.706 ha povoamentos e 70.543 matos).
Só em 15 dias de Agosto houve mais 2.205 ocorrências e arderam mais 36.054 hectares o que equivale a mais do que arderam em 3 anos seguidos (de 2007 a 2009)!
Se recuarmos no tempo percebemos que desde 1975 arderam neste país 4,3 milhões de hectares de área florestal.
Há 40 anos atrás não se previa que a combinação entre o êxodo rural, a monocultura, a expansão de espécies altamente combustíveis, a incapacidade do Estado exigir para as plantações o que exige para a construção de um imóvel, a falta de limpeza, o abandono e a negligência se transformaria numa combinação explosiva. E que esta iria causar danos devastadores quer em termos florestais quer em termos de vidas humanas.
Na “Estratégia Florestal Nacional” percebe-se que apenas 40% das áreas de pinheiro-bravo ardidas pelo menos uma vez entre 1996 e 2010 mantêm o pinheiro-bravo como espécie dominante. A espécie que chegou a ocupar 1,2 milhões de hectares hoje anda pelos 700.00.
A maior parte da sua área inicial converteu-se em matos ou foi reflorestada com a espécie mais amada dos proprietários florestais, o eucalipto.
Só quando em 2003 arderam 425.000 hectares e morreram 21 pessoas se começou a legislar sobre o problema e com a destruição pelo fogo de mais 339.000 hectares em 2005 surgem uma série de planos e promessas que nunca passaram à prática. Em 2010 a FAO alerta para o facto de Portugal estar a perder a sua floresta a um ritmo de 3% ao ano e passámos a ser o único país da Europa que reduziu de forma significativa a sua área de floresta nos últimos 25 anos. Percebe-se que nunca se resolveram as causas profundas do problema, e tal como nas doenças quando nunca se faz profilaxia optando-se pelo tratamento tardio quando o doente já está em “fase terminal” o resultado é sempre mau. Assim é natural que só no ano passado se tenha gasto 70 milhões de euros no combate ao fogo e que este ano não se tenha alterado nada, antes pelo contrário para pior, dado que a causa da “doença” não foi debelada.
Sabemos que o custo em média anual para prevenção é de 3,4 euros por hectare mas prefere-se gastar 9,8 euros/ha em média para combate ao fogo. Não nos parece que seja económica e tecnicamente aceitável.
Se atentarmos ao estudo europeu PESETA II sobre os impactos do aquecimento global neste continente que define aumento progressivo de condições climatéricas extremas, como por exemplo foi este ano em Portugal, determina que o risco de devastação dos incêndios pelo menos duplicará até ao fim do século.
Os incêndios capazes de devastar em contínuo mais de 10.000 ha apareceram em Portugal só em 2003 e agora olhemos só para o que se passou este ano. A teoria está demonstrada.
Se olharmos para o que se passa neste país (2003-2017) verificamos que onde houve o maior número de incêndios foi no Norte, com o recorde de 1825 para Montalegre onde o Presidente da Câmara (Orlando Neves) relaciona com o elevado número de queimadas no Concelho. Este autarca refere ainda que a transmissão destes incêndios nas televisões é só por si “incendiária”
Não nos podemos esquecer que este ano segundo as últimas estatísticas 30% dos fogos foram por negligência e 40% por acção criminosa e os restantes 30% por causas desconhecidas. A técnica da ação do incendiário é muito semelhante à do terrorista: adora publicitar a sua ação e deleita-se com as imagens do seu acto que a televisão lhe oferece gratuitamente. Em geral não é descoberto e quando o é, ou não é detido ou é detido transitoriamente.
O Estado no sentido lato é o grande responsável de toda esta problemática dos incêndios. Nas últimas décadas imensas decisões políticas foram tomadas mas depois por insuficiência ou ausência não foram levadas à prática.
Durante todo este tempo por decisões governamentais os territórios e as populações do interior de Portugal continental foram calmamente abandonadas pelo Estado. Ao longo dos anos tem vindo a desistir desses territórios reduzindo Serviços e a sua presença (serviços de segurança publica, tribunais, serviços da área da agricultura, centros de saúde, serviços de finanças, escolas do ensino publico, serviços de atendimento público, estações de correios,….).
Se voltarmos a olhar para o período 2003-2017 verificamos que nos 278 concelhos onde ocorreram incêndios, dentro dos 6 com maior área ardida (mais de 30.000 hectares) encontra-se a Guarda em 3º lugar com 37.328 ha.
Se virmos agora o relatório da Comissão Europeia que analisou os países da Europa e alguns do Médio Oriente e Norte de África vê-se Portugal em 1º lugar dentro de 32 países no número dos grandes incêndios. Temos de perguntar porquê e basta olhar para a vizinha Espanha para perceber:
Muito maior número de efectivos, maior profissionalismo e melhor coordenação. “As técnicas são outras, havendo antevisão daquilo que o fogo fará a seguir e não a simples reação ao que o fogo faz no momento. Utilizam-se mais homens com equipamento de sapador (rácio homens/autotanques é bastante maior), mais meios mecânicos (máquinas de rasto), combate indirecto (ou seja sem ação sobre a chama, usando o contrafogo) e ataca-se o fogo onde há possibilidade de sucesso.
Mas como tudo isto custa dinheiro teremos que aumentar o Fundo Florestal através do Orçamento do Estado em 2018, 2019 e provavelmente 2020.
A criação de pelo menos 500 equipas de sapadores florestais cada uma com 5 elementos a serem contratados no âmbito das zonas de intervenção florestal e das câmaras municipais, mas pagos com verbas do Ministério da Agricultura terá de ser uma realidade.
Este ministério deverá receber de volta os guardas florestais que foram integrados na GNR há uns anos (referido na pag. 3) que foi um erro já reconhecido.
Há que desenvolver o conceito de fogo de gestão que é o aproveitamento dos fogos que vão acontecendo para fazer a limpeza da floresta ou usar o próprio fogo para combater incêndios de maior dimensão.
O que é interessante é que a 8 de Maio de 2017 foi publicado em Diário da República uma Resolução do Conselho de Ministros sobre o Programa Nacional de Fogo Controlado. Estamos em Setembro e até agora não vimos qualquer aplicabilidade prática do mesmo.
É interessante perceber que o texto deste diploma (RCM nº59/2017) ocupa 4 folhas A4 e na sua introdução diz textualmente: “Segundo a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº6-B/2015, de 4 de Fevereiro, a política de Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) encontra-se operacionalizada através de um plano nacional integrador de atitudes, vontades e recursos denominado Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) 2006-2018. Este plano prossegue objectivos fundamentais estratégicos, tais como os de redução da superfície florestal ardida para valores equiparáveis à média dos países da bacia mediterrânica, a eliminação dos grandes incêndios, a diminuição do número de incêndios com duração superior a 24 horas e a redução de reacendimentos”.
Vimos atrás que as políticas agrícolas destes últimos anos conduziram ao abandono do mundo rural e das explorações agrícolas familiares que resultaram na acumulação de grandes e contínuas cargas de combustível nos espaços rurais. O contexto atual do espaço agroflorestal português é a de um aumento impressionante da continuidade e quantidade do material combustível.
A redução e controlo da biomassa das áreas florestais é algo premente e tem de ser encarada com medidas a curto, médio e longo prazo. É uma das medidas fundamentais, juntamente com muitas outras, para reduzir os riscos de incêndios florestais, aumentando a resiliência da floresta e objectivando uma efetiva prevenção e proteção da mesma. Deverão ter prioridade máxima as regiões identificadas como de maior risco de incêndio florestal.
É interessante perceber que o Decreto-Lei nº64/2017 de 12 de Junho aprova o “novo regime para novas centrais para biomassa florestal”*1.
O Programa Biomassa impõe que o ICNF determine um Coordenador e uma equipa responsável pelo acompanhamento, impulso e monitorização do Programa Biomassa e que o ministério da agricultura e da economia libertem anualmente, no âmbito do Orçamento do Estado, as dotações necessárias para o financiamento do Programa. Este mesmo coordenador e equipa acompanharão igualmente o Programa Nacional de Fogo Controlado. Quanto a nós faz todo o sentido.
Integram-se neste Programa:
Recolha e concentração da biomassa para o abastecimento de Centrais Dedicadas a Biomassa Florestal e Agrícola Residuais
Dinamização das atividades de pastoreio
Apoio a utilizações de biomassa florestal em operações das explorações agropecuárias (“economia circular”= incorporação no solo para fertilização de matos e sobrantes das explorações agropecuárias)
Concretização e desenvolvimento do Programa Nacional de Fogo Controlado
Sabendo que os espaços florestais ocupam cerca de 35% do território continental e são fornecedores de diversos produtos essenciais para atividades industriais como a pasta e papel, cortiça e mobiliário, contribuindo para gerar 2% do PIB, 12 mil postos de trabalho diretos, 8% do PIB industrial e 5,6% das exportações, as estimativas do INE em 2014 apontavam para 2907 milhões de euros como o valor da Floresta Portuguesa.
Os incêndios florestais colocam em causa esta riqueza afetando a sustentabilidade de 64% do território coberto por florestas e matagais. Entre 1980 e 2006 foram consumidos por fogos florestais, segundo dados oficiais, mais de 3 milhões de hectares. A área ardida durante os últimos anos, como já vimos, foi ainda mais expressiva da devastação da floresta.
Os incêndios são portanto não só um problema de política florestal e da sua sustentabilidade mas também uma preocupação da proteção civil na dupla vertente da defesa da integridade física das populações e da preservação dos seus meios de subsistência e bens patrimoniais.
Para tentar resolver toda esta enorme problemática são necessárias múltiplas e concertadas ações e não basta a função do simples legislador por muito boa que seja, para além da dificuldade de se levar à prática o que está legislado (como já vimos).
Desde alterar a legislação a nível jurídico para penas compatíveis com a enormidade destes crimes lesa natureza e de homicídios intencionais e muitas vezes múltiplos até ao desenvolvimento de pedagogias junto das populações rurais para anular os atos de negligência passando por ações de valorização do preço da produção lenhosa, há um mundo de tarefas a desempenhar por todos.
Sem coisas tão simples como valorizar as madeiras nobres como o carvalho, castanheiro, nogueira e freixo que atualmente estão completamente desvalorizadas não poderá haver uma inversão da situação da floresta nacional e a sua consequente destruição pelo fogo.
E no meio de tudo isto há centenas de cidadãos preocupados e que se propõem a ajudar com programas de prevenção de incêndios. Fazem candidaturas a fundos comunitários específicos com projetos de defesa da floresta na vertente prevenção de incêndio no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020 (PDR 2020) com operações específicas (“melhoria da resiliência e do valor ambiental da floresta” e “prevenção da floresta contra agentes bióticos e abióticos” e são rejeitados por “insuficiência orçamental” (sic). Chegamos ao paradoxo que nas zonas montanhosas as candidaturas tornam-se mais dispendiosas pelas maiores dificuldades e são as primeiras a ser rejeitadas.
*Dados registados na Base nacional de incêndios florestais e relatados no 4º Relatório Provisório de Incêndios Florestais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)
*1 – Temos de distinguir vários tipos de conceitos nomeadamente “Biomassa”, “Biomassa agrícola”, “Biomassa florestal residual”, “culturas energéticas” e “central a biomassa”.
A 16 de Julho de 1976, o Decreto-lei 557/76 cria o Parque Natural da Serra da Estrela e engloba nessa altura uma área superior a 100.000 hectares e distribui-se pelos distritos da Guarda e Castelo Branco.
A sue sede é colocada no ponto mais central desta área de proteção da Natureza e do património humano, a vila de Manteigas.
Falar da Floresta (e consequente problemática Incêndios) é falar de Manteigas.
E porquê?
É aqui que é instalada em 1888 a primeira Administração Florestal e também obedecendo a imperativos de ordem social e ecológica. Com efeito a instabilidade das encostas sobranceiras à vila pela excessiva exploração agrícola e pastoril, cujos relatos nos deram a conhecer as mortes e a perda de bens materiais, tinha feito soar o alarme no Reino.
Restavam, então, resquícios da floresta primitiva na Serra da Estrela.
Era muito difícil para os Serviços Florestais povoar as encostas de Manteigas de maneira diferente da praticada, perante a evidência do estado em que se encontravam as encostas, sem solo e sem nutrientes capazes de dar suporte às plantas.
O pinheiro bravo foi necessariamente a espécie que daria aos Serviços Florestais a capacidade de poder iniciar um processo de reconversão das encostas, pela sua rusticidade e pioneira em suportar tais agruras.
A falta de um relacionamento saudável entre o Poder e a população gerou conflitos que determinaram, em parte, uma mudança na actividade pastoril.
O Eng. António Gravato, num dos seus relatórios enquanto técnico dos Serviços Florestais anuncia a necessidade de se iniciar o processo de substituição do pinheiro bravo por outras espécies nas áreas onde aquela planta já teria comprido a função prioritária de preparação do solo.
O excelente trabalho executado pelos Serviços Florestais no nosso concelho só pecou por não ter dado sequência ao preconizado pelo Eng. Gravato com a substituição da espécie pinus pinaster por outras plantas mais adaptadas à ecologia da Serra da Estrela. Sem ignorar mas antes pelo contrário é de louvar a qualidade das infraestruturas viárias e hidráulicas que nos legaram.
Podemos argumentar que os povoamentos que resultaram da acção da Administração Florestal e que se mantêm fundamentam-se pela:
Desta análise simplista importa muito mais afirmar o que defendemos para modificar a situação por forma a que o futuro seja de horizontes mais realistas e todos fiquemos a ganhar com isso, do que quedar—mo—nos a olhar demasiado para o passado.
Nesse sentido recomendamos que se definam objectivamente dois tipos de florestação:
Para a primeira torna-se necessário identificar as vertentes muito acentuadas onde os riscos de erosão e da criação de infraestruturas é elevado, optando assim pela plantação de espécies que se adequem, de preferência as autóctones. Ou seja defendemos que nestas zonas as arvores devem morrer de pé!
Nas restantes áreas os povoamentos devem obedecer a um ordenamento equilibrado, com descontinuidade das manchas, servidas por adequadas redes viárias e com povoamentos mistos por forma a evitar a progressão das chamas.
Sempre que possível os povoamentos devem prever a compatibilidade com as actividades silvo-pastoris.
Para finalizar é importante acelerar o processo de plantação a altitudes mais elevadas, priorizando as linhas de cabeceira de maneira a minimizar os processos erosivos e a aumentar a capacidade de armazenamento da água no solo.
Tomando em consideração tudo o que foi explanado no ponto A, propomos para tentativa de resolução desta complexa problemática:
-Acções na Floresta
-Acções relativas aos Incêndios
-Acções a desenvolver especificamente na serra da Estrela e consequentemente em Manteigas
Prevenção
Contratação de um número significativo de vigilantes (50 a 100).
Reforço dos Postos de vigia especialmente em áreas de alto risco e montanhosas.
Definição de um cronograma e calendarização urgente de medidas para cumprimento das regras do SDFCI, dando prioridade à concretização das redes primárias de faixas de gestão de combustível.
Verificação das condições de segurança das vias rodoviárias e definir vias estruturantes para o acesso de meios de combate a incêndios e de socorro às populações.
Medidas que assegurem o perfeito funcionamento das telecomunicações no âmbito da protecção civil com cobertura total dos territórios mesmo em situações de catástrofe.
Garantir a existência de pelo menos 500 equipas de sapadores florestais previstas na Estratégia Nacional para as Florestas (ENF).
Reconstituição do corpo de Guardas Florestais com um efectivo de pelo menos 1500 agentes.
Adopção de medidas de excepção para desbloquear todos os projectos em apreciação no IFAP e para colocar a pagamento os apoios já decididos aos pequenos produtores no âmbito do PDR 2020.
Limitação rigorosa da plantação, de novo, de eucalipto proibindo-a em zonas de regadio.
Adopção de medidas para valorização do preço da madeira com intervenção dos respectivos ministérios (Agricultura e Economia).
Valorização e estímulo à arborização com espécies autóctones (folhosas).
Alteração dos atuais 50% para 100% dos critérios de atribuição de direitos nos baldios.
Adopção urgente de medidas e afectação de meios (humanos e financeiros) para concretização cadastro florestal e rústico nacional até 2020.
Assegurar a conclusão da revisão dos PROF (Planos Regionais de Ordenamento da Floresta).
Redução e controlo da biomassa das áreas florestais para o abastecimento de Centrais Dedicadas a Biomassa Florestal e Agrícola Residuais.
Incentivo e promoção do pastoreio por espécies caprina/ovina ed bovina em áreas comunitárias e outras.
Valorização das pastagens pobres de montanha, simplificação de procedimentos e elegibilidades que à elegibilidade da totalidade da área utilizada para pastoreio animal em baldios.
Concretização e desenvolvimento do Programa Nacional de Fogo Controlado (RCM nº 59/2017 de 8 de Maio).
Incentivo ao Associativismo florestal.
Levar verdadeiramente à prática o que já foi decidido pelo poder nomeadamente através da ENF (Estratégia Nacional para as Florestas) e PNDFCI (Plano Nacioanl de Defesa da Floresta Contra Incêndios) 2006-2018.
Alterar a legislação jurídica relativamente aos crimes por fogo posto ou outro tipo de destruição da floresta.
Definir objectivamente 2 tipos de florestação (conservação/produção).
Na Serra da Estrela e neste Concelho florestar as vertentes muito acentuadas com espécies autóctones.
Realizar povoamentos mistos com descontinuidade de manchas e compatíveis com as actividades silvo-pastoris nas outras áreas destas regiões.
Acelerar o processo de plantação a altitudes mais elevadas.
Defesa ambiental | 2024-11-09
Defesa ambiental | 2024-11-09
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