Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2024-11-09

E tudo o fogo levou, tristemente. E voltou. E voltou novamente.

E tudo o fogo levou, tristemente. E voltou. E voltou novamente.

 

Palavras chave

floresta  incendios  
 

Com intervalos próximos de uma década, o fogo tem teimado em voltar regularmente à encosta que se sobrepõe a Cantar Galo e à Pousadinha e a transformou na paisagem erodida e problemática que tantos milhares de pessoas avistam agora regularmente ao subir da Covilhã para a Serra da Estrela.

Porque se repete este cenário trágico? Porquê aqui? Vai continuar? O que poderia ser feito para travar este ciclo?
De facto a encosta que analisamos neste artigo apresenta várias dificuldades:

  • orientação sudeste predominante – a exposição deste local faz com que tenha pouquíssima sombra e que seja fortemente aquecida pelo sol, sobretudo no verão em que esta orientação torna a encosta num forno pelo aquecimento das rochas proeminentes e um deserto pela secura.
  • um solo extremamente rochoso e erodido – os solos graníticos da serra apresentam algumas dificuldades às plantas e aos animais, sobretudo após os sucessivos incêndios terem destruído as raízes e os nutrientes. A eliminação dos mesmos faz com que seja ainda mais difícil a fixação da vegetação pela pobreza e dureza do solo. Por seu lado, a falta de fixação desta faz com que as rochas se soltem, a água escorra mais rápido e que o local aqueça e seque mais de verão.
  • inclinações muito acentuadas – factor que favorece imenso a progressão dos incêndios, pois como o calor sobre, o fogo propaga-se com mais rapidez na vertical e cria um efeito bola de neve (inversamente, já que a gravidade puxa a neve para baixo mas o calor sobe), com o calor que se intensifica de forma praticamente exponencial à medida que as chamas vão subindo o declive com cada vez mais velocidade e violência. Por outro lado, a inclinação faz ainda com que haja grande escorrência da água e da terra, factor que vem acrescentar muita dificuldade à fixação de flora e fauna.
  • difíceis acessos – os factores anteriores fazem com que as estradas sejam difíceis de construir ali pela dureza e inclinação do terreno e ainda que sejam muito difíceis de manter, uma vez que a forte escorrência danifica os caminhos várias vezes por ano.

A situação actual acarreta ainda vários perigos e dificuldades para a comunidade que aqui vive mas também para o país:

  • menor infiltração de água e perigo elevado de enxurradas no inverno e seca no verão – a pedra nua aliada à inclinação servem de rampa para a escorrência imediata da chuva e da água de nascente.
  • menor produção de oxigénio pela falta de floresta – sem vegetação de grande porte a produção de oxigénio fica enfraquecida.
  • maior aquecimento da zona – é de lembrar que as florestas arrefecem significativamente o clima por fornecerem sombra, absorverem alguma da energia do sol para a fotossíntese e retêm a humidade.
  • erosão do solo com impactos graves na agricultura e caça – frequentemente esquece-se de que o homem não se alimenta de matéria rochosa, quando na verdade toda a nossa alimentação tem a terra como base.
  • perigo elevado de incêndio evidentemente – a erosão é acompanhada de espécies de plantas que favorecem a propagação rápida dos incêndios como giestas, pinhos (ou pinheiros), ervas, rosmaninhos e outros arbustos ricos em óleos.

Significa isto que esta encosta esteja condenada à erosão e ao ciclo de incêndios violentos?
A resposta simples, é obviamente não. No entanto, para que alteremos esta tendência teremos de ter em conta as dificuldades anteriormente descritas e trabalhar com as mesmas ao invés de as contradizer.

De facto, é curioso caminhar longamente deste lado da serra e observar as dramáticas diferenças na paisagem – sobre a Pousadinha e a Vila do Carvalho, as secções mais afectadas pelos incêndios, testemunhamos uma erosão avançada com presença muito rarefeita de árvores e uma ausência preocupante de solo.

Em torno da estrada de acesso à serra, zona com bons acessos onde os operacionais têm conseguido rapidamente parar os incêndios com grande destreza, observamos uma floresta riquíssima com uma manta de solo bem estabelecida e uma diversidade ecológica muito interessante. É de notar aqui a introdução de espécies não-autóctones mas que se naturalizam perfeitamente neste habitat ajudando a enriquecê-lo mais do que a desequilibrá-lo – dedros do Atlas, faias, carvalhos americanos e ciprestes são abundantes nesta zona e, embora isto passe despercebido, são frutos de introduções e plantações destas espécies.
Sobre o Teixoso, apresenta-se uma mancha de pinho bravo de beleza já bastante descontinua na Estrela após décadas de grandes incêndios. Mas podemos observar na mesma um fenómeno mais curioso – sob a proteção e frescura do pinhal, estão a proliferar espécies autóctones como a azinheira, o carvalho e o castanheiro que têm muitas dificuldades em sobreviver à seca a poucos metros dali nas zonas ardidas.

Esta diversidade de habitats em locais contíguos e cuja orientação e condições são praticamente iguais, prova claramente que a encosta não está condenada.

Desde que se tornou crónico o problema dos incêndios nesta encosta, foi feito algo para mudar esta situação?
Sim, algo foi feito. A Câmara da Covilhã teve enfim o bom senso de colocar um reservatório de água de grande capacidade para combate a incêndio ao lado desta encosta na zona da casa do guarda da Rosa Negra.

Também podemos notar o aparecimento de árvores folhosas nalguns locais e que provêm provavelmente de alguns esforços de reflorestação adequada aliada a alguma regeneração natural. Carvalhos, castanheiros, faias e bétulas começam a colonizar agora alguns pontos desta encosta o que é um sinal da máxima importância para alterar o ciclo de incêndios violentos neste local.

É de relembrar que, ao invés de giestas e pinhos que perfazem a grande maioria da paisagem da zona e que favorecem gravemente a progressão de incêndios florestais, as árvores supracitadas oferecem um travão natural à propagação do fogo permitindo o enfraquecimento das chamas, um combate mais seguro e eficaz, uma resistência interessante à destruição causada pelo fogo (muitas destas árvores conseguem manter-se parcialmente verdes durante a passagem de um incêndio) e ainda uma regeneração natural muito mais rápida pois têm a capacidade de rebentar novamente na primavera seguinte ainda que tenham ardido por completo.

Para além disso, estas árvores criam as condições ideais para eco-sistemas mais complexos e condições de rentabilização florestal interessantes (produção de castanhas, cogumelos e outros produtos silvestres).

Não obstante estes bons sinais, a maioria da encosta encontra-se inteiramente ao abandono e deixada à erosão assim como à mercê do ciclo vicioso do fogo, da proliferação lenta de espécies colonizadoras altamente pirófilas, novamente do fogo e assim sucessivamente.

As possibilidades para o futuro da encosta

O ideal seria muito provavelmente devolver a esta parte da serra a sua vegetação autóctone, recriando florestas mistas de carvalhos, bétulas, pinhos silvestres, castanheiros, teixos, medronheiros e outras folhosas o que garantiria uma maior resiliência aos incêndios e uma otimização dos recursos hídricos e naturais.
Esta opção é difícil de executar pois, tendo em conta as duras condições acima descritas, as taxas de sucesso de plantação destas árvores neste local são praticamente inexistentes.

Uma opção apontada pela Associação de Amigos da Serra da Estrela que tem demonstrado disponibilidade e implicação nas intervenções nestes solos ardidos, seria uma reflorestação em várias fazes. De início, poderia plantar-se pinho de forma ordenada pois este tipo de árvore é praticamente o único a apresentar uma boa sobrevivência às condições actuais da encosta ardida. O pinhal teria de se estabelecer durante algumas décadas por forma a furar e enriquecer o solo.

Depois, seria necessário uma plantação massiva de folhosas autóctones sob o abrigo do pinhal. Uma vez as folhosas estabelecidas, a maioria dos pinhos deveria ser abatida e poderia ser rentabilizada dando origem a uma nova floresta mista, mais saudável e resistente aos incêndios. Esta opção requereria uma gestão longa da floresta no local e traria um novo perigo de incêndio durante o tempo em que o pinho voltasse a dominar a encosta.

Uma outra hipótese interessante seria o aproveitamento e valorização mais aprofundados desta paisagem – pense-se do que foi feito em Manteigas, onde esforços maciços de reflorestação foram levados a cabo há várias décadas e deram origem a uma verdadeira economia local. Turistas vêm de propósito para fazer a rota das faias. Pessoas vêm de vários lados apanhar castanhas nos baldios. Fotógrafos e amantes de natureza para ali viajam simplesmente para contemplar a beleza das florestas ricas do local.

A execução de um plano semelhante do nosso lado poderia trazer um potencial turístico e económico sustentável que compensaria provavelmente o investimento necessário para estabelecer estas florestas na encosta, que seria elevado devido às condições adversas actuais para plantação.

Alerta importante para que o problema não ganhe dimensões piores

Enquanto Bombeiro compete-me alertar o leitor para perigos críticos na discussão da intervenção sobre a encosta em questão.
Observa-se frequentemente na zona e no país a plantação de espécies invasoras como o Eucalipto e a Mimosa, que se tratam de árvores australianas que rapidamente se convertem em praga e trazem riscos de seriedade crítica.

Para além das invasões que rapidamente se desenvolvem com estas espécies destruindo veredas, campos agrícolas e ecossistemas, tapando estradas e caminhos, estas plantas trazem consigo o perigo de incêndios de violência extrema. Fogos frequentemente não combatíveis sobretudo avivados pela altíssima concentração de óleos altamente inflamáveis nos Eucaliptos cujas consequências trágicas temos testemunhado nos últimos anos noutras zonas do país onde já predomina esta espécie – civis e operacionais carbonizados ou intoxicados até à morte, habitações inteiramente destruídas, empresas e negócios reduzidas a cinzas.

Não queremos cenários mais dramáticos do que aqueles que vivemos já na Estrela, convido portanto o leitor a rejeitar estas plantações e a manter-se atento ao seu eventual aparecimento nos seus arredores para garantir a segurança dos seus bens e da sua vida.

 
 
 

 

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