Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 
Antropólogo

2024-07-18

Mas que desenvolvimento?

Mas que desenvolvimento?

 

Palavras chave

desenvolvimento  energia  
 

As áreas montanhosas europeias, e talvez de todo o globo, têm sido alvo de dinâmicas históricas e políticas que as aproximam, apesar da sua diversidade. Uma história comum de marginalização, exploração e descentralização dos serviços essenciais, guiada pelas políticas e narrativas do “desenvolvimento”. Mas o que é o desenvolvimento? E quem decide como alcançá-lo? Na perspectiva das zonas de montanha e rurais, aparece como uma série de políticas impostas a partir de outro lugar; um imaginário e políticas implementadas historicamente através de retóricas como as da modernidade e da industrialização. As áreas rurais e montanhosas foram, portanto, objeto de revolução política, económica, social e jurídica que acarretou, entre outras coisas, novas formas de uso e gestão dos recursos, novas estruturas de propriedade, a gradual centralização dos serviços e dos centros de produção.  Falo na perspectiva do contexto italiano, a partir do qual escrevo e que conheço melhor, mas penso que o contexto português seja  semelhante.

As políticas de desenvolvimento estão também presentes no presente, mesmo sob novas formas:  desenvolvimento verde, desenvolvimento turístico, desenvolvimento rural sob várias formas. Estas políticas não são necessariamente negativas, mas têm alguns aspectos críticos a realçar. Em primeiro lugar, são políticas e narrativas que não problematizam a relação assimétrica com as áreas urbanas e as dinâmicas históricas de desenvolvimento do subdesenvolvimento destes territórios; além disso, são, mais uma vez, políticas actuadas de cima para baixo que, muitas vezes, não têm em conta as pessoas que habitam estes territórios, os saberes locais, os recursos e a história dos lugares. Desta forma, o efeito mais grave é negar a possibilidade de assumirem e implementarem outras visões que não as dominantes.

Estes territórios têm hoje em comum o facto de serem sujeitos a movimentos de retorno que visam valorizar os recursos reais do território e explorar a possibilidade que a margem oferece de repensar a forma de viver, de se relacionar, de trabalhar e de se relacionar com a natureza. Isto acontece de uma forma global, mas ainda atomizada, e em oposição a um modelo urbano homogeneizante e agora claramente insustentável. É com base nesta consciência, combinada com a crise ambiental e social que vivemos atualmente, e talvez impulsionada pela recente pandemia, que em Itália, por exemplo, de norte a sul, dos Alpes aos Apeninos (especialmente nos Apeninos), estão a surgir movimentos, associações, cooperativas e comités de pessoas que decidem viver, trabalhar e fazer política em territórios afectados por décadas de despovoamento e emigração – com efeitos que também dilaceram o tecido social e a transmissão cultural. Para inverter estes processos e criar novas possibilidades de vida, há lugares onde alguns habitantes locais e novos habitantes vindos das cidades activam processos de baixo para cima de formas participativas de “desenvolvimento”.

Neste ponto, gostaria de falar brevemente sobre um projeto em que participei em Gagliano Aterno, uma pequena aldeia com cerca de 230 habitantes na região de Abruzzo, em Itália. Desde 2021, Gagliano tem estado envolvida num projeto de “investigação-acção” chamado Montagne in Movimento (MIM), que trouxe jovens investigadores de antropologia e sociologia, com um forte interesse político em questões de montanha e rurais, para investigar e viverem na aldeia durante meses, alguns durante vários anos até ao presente. O trabalho centrou-se na participação ativa da comunidade, no estímulo e na recolha de aspirações partilhadas e na co- conceção, numa área que foi severamente afetada pelo terramoto de 2009 e que ainda está a ser reconstruída. O projeto trabalhou em várias áreas, desde programas para os jovens adolescentes que vivem na aldeia e no vale, à construção da CER (Comunidade de Energia Renovável) para a autonomia energética da aldeia , à recolha de toponímia local, à implementação de uma assembleia pública regular onde todos os habitantes podem discutir decisões relativas ao presente e ao futuro da aldeia. O objetivo é recriar as condições de habitabilidade, recriar o trabalho, os espaços culturais e criar formas locais de pensar o desenvolvimento territorial e a transição  ecológica e energética a partir do local, da sinergia local dos saberes locais e especializados.

O carácter mais forte destes movimentos, espalhados pelas zonas montanhosas de muitos países, são as formas de reivindicação do direito de decidir como explorar o seu próprio território, de construir o seu próprio futuro, de escolher o seu próprio desenvolvimento sem ter de se submeter a projectos e decisões tomadas noutros lugares, que podem comprometer as actividades económicas existentes, danificar o ambiente e ameaçar a própria saúde dos habitantes. É, portanto, a partir das margens que parece possível repensar o desenvolvimento em termos de um desenvolvimento plural e policêntrico dos lugares, por oposição a um desenvolvimento centralizado e muitas vezes destrutivo para os lugares em causa.

Num momento histórico em que as zonas de montanha e rurais estão no centro dos interesses tanto destes novos movimentos como dos grandes actores políticos, económicos (energia, imobiliário…), o desafio é construir um futuro que se oponha a modelos impostos de cima para baixo e comprovadamente destrutivos. Mas, para isso, talvez seja necessária uma rede entre todos estes movimentos que estão  surgir autonomamente em Itália, na Europa e até no mundo. Não há alternativa ao modelo urbano-cêntrico e capitalista que nos possa ser entregue de cima. Ela virá de dentro de espaços locais múltiplos que se juntam num movimento mais amplo.

Caso contrário, o risco é que os nossos parques, a Serra da Estrela como o parque Sirente-Velino em Abruzzo e muitos outros, se tornem parques de diversões, meros jardins do modelo urbano, ou novos contentores concebidos para serem recheados pelos fluxos de capital que, a partir das cidades, procuram novos espaços a mercantilizar. Será demasiado tarde?

 
 
 

 

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