2024-06-10
Palavras chave
baldios pnse turistrelaNunca a Serra da Estrela esteve tão exposta a riscos muito graves como os que a ameaçam actualmente. A Serra tem vindo a sofrer de uma pressão nunca vista, proveniente de diversas frentes, manifestada de diversas maneiras e por múltiplos interesses e intervenientes. Estes, em nenhuma circunstância colocaram como questão principal a conservação do seu Património Natural e Cultural.
O que é revelador de alguma indiferença e ausência de conhecimento e preocupação relativamente aos valores naturais da Serra da Estrela por parte dos protagonistas que anseiam levar avante os seus projectos, desconsiderando a importância de que se reveste, tanto a nível nacional, como, em particular, a região, o estatuto deste território enquanto Parque Natural. Tal consonância também a verificamos quando o tom das críticas é direccionado para o ICNF como organismo que tem bloqueado as suas intenções (intenções de quem?), o que não deixa de ser preocupante.
Na mesma linha de pensamento, é ainda mais descabido o facto da generalidade das propostas que vão sendo tornadas públicas terem como destino final a Torre.
Lamentamos ter de o escrever, mas os actuais protagonistas parecem não estar a par da importância territorial que têm nas suas mãos e estão a despertar para a potencialidade da Serra da Estrela como se de um ginásio a céu aberto se tratasse, onde bastaria um porteiro, luz, água e apenas algumas manutenções, sempre que necessário.
Felizmente, grande parte do território serrano é baldio, com leis próprias, tendo sofrido alterações que têm aberto algumas brechas para o real interesse do que é comunitário, do que é dos seus compartes, sem que nenhum possa dizer, no entanto, que esse território é seu. Não fosse essa realidade e teríamos, hoje, uma réplica do cenário que encontramos nas Penhas da Saúde um pouco por todos os cantos da Serra.
No que à Turistrela concerne, são conhecidos muitos projectos, que vão desde o absurdo ao ilusório e também não é novidade que tenham surgido potenciais investidores. É preocupante verificar como é que podem surgir interessados em apoiar projectos que são muito duvidosos do ponto de vista da rentabilidade económica, e, ao mesmo tempo, extremamente negativos ao nível do impacto ambiental e ecológico.
O que tem sido feito ao longo das últimas décadas, nomeadamente, na área das pistas de esqui e na Torre, desde que a Turistrela foi privatizada foi o delapidar do Património Natural, nomeadamente, na redução e alteração da área cervunal para beneficiar de um insignificante segmento do turismo de Inverno, quando era já previsível a diminuição de queda de neve. Abusivamente, e contrariando as normas em vigor, foram praticados os maiores atentados naquele espaço, em particular, a alteração à morfologia do solo, diminuindo a zona de cervunal, que acabou por ser prejudicial para a própria prática do esqui; a delapidação das rochas, que serviram para forrar as 60 casas de madeira nas Penhas da Saúde (posteriormente condenado pelo Tribunal Administrativo de Castelo Branco). Deveriam corar de vergonha a tutela do PNSE, os Baldios e Junta de freguesia de Loriga, por não terem usado a sua autoridade para evitar tais acontecimentos. (1)
Não se compreende o problema da estrada que liga Unhais da Serra à Nave de Santo António para que a mesma fique funcional. Existiu, de facto, um grave problema técnico ao não ter sido devidamente avaliada a instabilidade da encosta, constituída por depósito glaciário. Aliás, bastou um ano para que se revelasse o que não tinha sido correctamente estudado, com as sucessivas quedas de taludes e ravinamentos na rodovia. Porém, não é aceitável o comportamento do ICNF em deter a concretização desta via, enquanto tolera, por outro lado, o que tem ocorrido na EN339, a 1900 metros de altitude.
Não obstante a vontade de ver a estrada funcional, o que nos inquieta é o que está subjacente às intervenções sobre as acessibilidades viárias e o mar de contradições que rodearam esta temática na Assembleia Municipal Extraordinária da Covilhã, realizada no passado dia 13 de Maio. Lamentavelmente, ninguém se lembrou de questionar a legitimidade das construções existentes no Covão da Mulher, com a agravante de uma delas ter sido construída por um ex-deputado do Parlamento Europeu em pleno exercício de funções. Mas nem tudo foi negativo. Também houve quem se lembrasse que estamos num Parque Natural e que era necessário definir, em primeiro lugar, o que se quer da Serra da Estrela, para que, então depois, se pudesse avançar com as acessibilidades. (2)
Na verdade, o que se conclui é que a Serra da Estrela tem andado à deriva. Os projectos vão sendo concebidos e anunciados de acordo com a vontade dos seus proponentes, mesmo que isso se faça como o cuco colocando os ovos no ninho de outros, como aconteceu com os miradouros do Cabeço Cascalvo e do Covão das Vacas. É do conhecimento público a pressão que tem vindo a ser exercida para a construção de mais eólicas nas cumeadas da Serra da Estrela. Não conhecemos, no entanto, nenhuma posição dos autarcas sobre esta matéria, embora seja conhecido o interesse de Municípios que defendem a sua instalação.
No que diz respeito à Barragem das Cortes, não julgamos que a mesma seja motivo para tanta apreensão, uma vez que se trata de um problema de abastecimento de água de que a Covilhã precisa. A confusão instalou-se quando se pretendeu alterar a sua localização para uma zona a montante, com efeitos mais negativos a todos os níveis, inclusivamente, procurando uma quezília com proprietários onde não se justificava. De forma adicional, referimos a visão pouco realista de querer fazer das Penhas da Saúde uma aldeia de montanha, com todas as consequências que se adivinham para o futuro, incluindo para a hotelaria lá instalada, que tem à sua volta potenciais competidores, que não geram postos de trabalho nem criam riqueza por via directa ou indirecta. Do mesmo modo, não vemos como conciliar o avivar da barragem do Barlateiro e os projectos que a Câmara de Gouveia têm anunciados para o alto Mondego, que ficariam submersos caso esta fosse por diante, sabendo que os estudos que são conhecidos davam o seu Nível de Pleno Armazenamento (NPA) para a cota dos 1000 metros.
E que dizer da instalação na Torre para sede da Associação dos Municípios do Parque Natural a Serra da Estrela? Mais de meio milhão de euros para compra de viaturas para a limpeza da neve. E se as Câmaras, o ICNF, as Freguesias, a Infraestruturas de Portugal, os Baldios, o Turismo do Centro, a CIMB-SE, fizessem um pequeno esforço e lessem as nossas propostas que apontam para uma solução para o Planalto Superior? Podem não entrar em concordância com as mesmas, mas tinham, pelo menos, a vantagem de não apresentar soluções inconclusivas e sem pensar na Serra da Estrela, no fundo, aquela que nos move a todos.
Os montanhistas, as empresas de animação, os promotores dos trails, os clubes de veículos TT (Todo-o-Terreno), todos, sem excepção, procuram a nossa Serra como se de um parque de diversões se tratasse. Todos procuram resolver o seu problema com um desejo pessoal que lhes está intrínseco, mas nunca nenhum pensou na Serra antes – e é aí que o cerne do problema existe e persiste.
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