Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2024-03-05

Os Lobos da Neve

Os Lobos da Neve

 

Palavras chave

 

Abro o computador e dou de caras com a notícia da entrevista de Paulo Pinheiro, da Rádio Cova da Beira, a  Rui Santos, Presidente do Moto Clube da Covilhã, a propósito da XXX Concentração de Motards “Lobos da Neve”.  A memória fez-me recuar no tempo e fiquei preso ao som da entrevista, em que a curiosidade me questionava se a história que escutava batia certo com a que, de facto, ocorreu. No caso em apreço, tratava-se da narrativa do primeiro encontro dos “Lobos da Neve”.

As minhas expectativas confirmaram-se e Rui Santos, que, naquela época, contava 11 anos, falou do Covão d’Ametade e do primeiro acampamento dos “Lobos da Neve”, que lá decorreu. Desse primeiro acampamento, poderei eu fazer um relato mais minucioso, não porque Rui Santos tenha referido algo que não tivesse acontecido, mas porque, na verdade, não pode descrever ao detalhe algo que não presenciou.

Quando, um dia, entro no Covão d’Ametade, acompanhado por um colega que trabalhava comigo ao serviço do Parque Natural da Serra da Estrela, e damos de caras com aquele triste espectáculo, não pudemos crer que aquele cenário era real – naquele que é o “santuário” do Parque Natural, estavam mais de 200 motos de grande cilindrada, um gerador a combustível, provocando ruído, um arraial de lâmpadas acesas, fogueiras e colunas de som para animar tamanha multidão.

Os dois, éramos responsáveis por trabalhar numa vasta área do Parque Natural, onde se incluía o Covão d’Ametade. Não tínhamos qualquer notificação do evento, nem da autorização que a sua existência demandava. Perante mais de 200 motards – muitos e grandes homens, de longas barbas, carregados de medalhas, crachás e correntes, embrulhados em casacos de cabedal, a maioria, animados com ao calor do álcool, que se evidenciava a olhos vistos, o que poderia ser feito? Pessoas com volantes nas mãos, fazendo peões nos espaços abertos do cervunal, que outrora havia sido um campo experimental de gramíneas, o que poderia ser feito?

Era um cenário que tinha tanto de arrepiante como de temerário, especialmente quando confrontados com a ousadia de tomar as rédias da situação, numa tentativa de procurar controlar aquele aparato. A circunstância ficou marcada por um momento de grande tensão, em que se tentava encontrar um rumo que pusesse termo à triste realidade que ali se nos apresentava.

Verifiquei, entretanto, que um dos indivíduos dispunha de um megafone e pareceu-me estar sóbrio. Enchi-me de coragem (hoje, não sei de onde surgiu), e abeirei-me dele. Estava convicto de que de lá sairia desancado, mas, ainda assim, entrei com pezinhos de lã e perguntei-lhe se me emprestava o megafone. Pretendia dirigir-me às pessoas que ali estavam acampadas no primeiro acampamento de motards, designado por “Lobos da Neve” e disse-lho sem rodeios. O megafone foi-me entregue e fui autorizado – como se de autorização precisasse – a falar às centenas de pessoas que ali se encontravam.

Respirei fundo e, no tempo que tinha, medi as palavras. A mão que segurava o megafone suava e vi-me submetido a uma ginástica mental de maneira que me mantivesse calmo. Perante a necessidade de controlar a situação, as palavras não podiam manifestar a minha inquietação e, pelo contrário, era conveniente que as proferisse com uma certa assertividade. Uma coisa era certa – a única solução era dirigir-me aos acampados, tocando-lhes directamente no coração.

Aquele discurso foi provido do significado e importância que tinha àquele espaço. Não os podia responsabilizar pela realidade que tinha diante dos olhos, embora a origem daquela situação fosse um erro humano. Um local soberbo como o Covão d’Ametade, apropriado para ser usufruído pelas pessoas, estava a ser gravemente danificado por consequência de quem não teve o cuidado de dar objectivamente essa explicação aos transeuntes.

A aliança entre uma série de factores – quem sabe, o álcool, o ambiente e uma sentida preocupação no discurso, disfarçadamente amedrontado, parece ter tido o impacto que pretendia. Rapidamente, o ambiente boémio que ali se vivia transformou-se num em rostos de lamento daqueles indivíduos, que, com ar de desolação tomavam consciência da marginalidade dos seus actos. Deixámos o apelo para que procurassem aproveitar o momento para desfrutar do Covão d’Ametade da melhor maneira, sem que pusessem em causa aquele monumento natural de uma preciosidade sem igual. Se realmente gostavam da Serra da Estrela, então deviam procurar por um outro espaço para um acampamento, evitando, assim, contribuir para a degradação do Património Natural da Serra da Estrela.

No ano seguinte, voltou a realizar-se a mesma concentração – o segundo acampamento dos “Lobos da Neve”. Porém, o mesmo teve lugar no velho sanatório dos ferroviários, evento a que estou grato, pela sensatez subentendida à alteração do local, representada por aqueles que souberam reconhecer a importância do que lhes havia sido dito relativamente à preservação do Covão d’Ametade.

 

Referências Bibliográficas

https://rcb-radiocovadabeira.pt/xxx-concentracao-lobos-da-neve-esta-a-comecar/

 
 
 

 

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