Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 
Participante no Asestrela

2024-03-05

A Nossa Primeira Vereda

A Nossa Primeira Vereda

 

Palavras chave

trilhos  veredas  
 

Há três anos que participamos no ASESTRELA. Sim, digo “participamos” porque é uma atividade que fazemos em família. Ao ver a programação deste ano fiquei curiosa/hesitante, por haver atividades diferentes das que fizemos nos anos anteriores. É que eu gosto tanto das caminhadas; adoro as paisagens da Serra, o reconfortante desconforto de caminhar carregada de tralha às costas e já sabíamos que os miúdos também gostavam. E esta atividade, como seria? Motivar as crianças nem sempre é fácil, como será que ia correr?

A atividade extra deste ano, consistia na construção de uma vereda. Uma vereda é um caminho. Um caminho estreito, um atalho, uma passagem, como tantas por onde certamente passámos nas caminhadas do ASESTRELA.

Foi no último dia do encontro. E lá fomos nós: adultos e crianças! Todos participaram! Todos têm lugar, cada um contribui como pode. Chegámos ao local, descarregámos o material e sob as indicações do Zé Maria cada um agarrou no que lhe competia. Os adultos levaram as enxadas e os ancinhos, as crianças levaram os sachos e o Sr. Zé Manel levou a moto-roçadora. Só um parêntesis para falar do enquadramento desta vereda: ela fica ladeada pelo Ribeiro do Cabeço dos Lobos, com água corrente, limpa e fresquinha, e pela paisagem deslumbrante da Serra. Estava um dia de sol radioso, para nos encher de cor os olhos, que estavam acostumados à chuva e ao frio dos dias anteriores.

Chegámos ao local e o Zé Maria deu as indicações ao Sr. Zé Manel da moto-roçadora para começar abrir caminho, para os restantes poderem começar a trabalhar.  E lá foi ele. Entretanto, como tínhamos um bom professor, foi só pôr mãos à obra, enquanto escutávamos como se fazia: “…primeiro limpam aqui o caminho com a enxada. Tiram as pedras… deixem-nas de lado, que vamos usá-las mais tarde! Colocam caruma, pedras e por fim cobrem com terra. Estão a ver, puxam esta terra aqui de cima e tapam esta caruma toda. Pronto, vocês ficam aqui, os outros sigam-me. Aqui vamos fazer uns degraus. Aqueles calhaus ali… tragam para aqui… assim, tem de ficar bem assente para não dar de si quando as pessoas passarem.” Eu fiquei nesses primeiros grupos, o meu marido foi destacado para as pedras e os meus filhos ficaram por ali… nem sei! Porque naquela atividade todos olham por todos. Existe uma liberdade em segurança que não temos nas cidades. Deixar os miúdos escolherem onde querem estar, vê-los testar as suas capacidades e vê-los relacionarem-se com outras pessoas, são momentos privilegiados nesta dura tarefa que é ser mãe. Esta dinâmica do “aprender fazendo”, aprender observando quem sabe, aprender pelo que nos explica gente mais velha, gente com tanto para ensinar e que não precisa fazer muito para captar a atenção de todos. Aprenderam-se neste dias as lições mais importantes: lições de vida!

O Zé Maria seguiu com mais alguns para trabalhar no caminho mais adiante. Fizeram algumas plantações para reflorestar a zona. Fizeram-se caminhos, degraus, tudo com os materiais que ali estavam, não há madeiras nem passadiços nem sinalizações de plástico nem nada. Aquela vereda é parte integrante da natureza, aproveita o rumo mais fácil do terreno e vai subindo, lentamente, revelando segredos pouco a pouco. Respeita a Serra e podia ser um caminho antigo que ninguém duvidava. E um dia o será certamente, pois são feitas com os materiais que lá estão há anos e anos ali vão continuar, talvez um dia para serem percorridas pelos filhos dos nossos filhos e assim poderem recordar.

Isto assim escrito parece fácil e rápido, mas não é assim tão simples. Não sei qual seria a extensão da vereda que a ASE tinha na cabeça, mas acho que devemos ter contribuído apenas o início. Mas esse pequeno troço, para mim, encheu-me de alegria. Alegria e orgulho, pois quando em conversa com os meus filhos falávamos sobre o que tínhamos feito este ano no ASESTRELA, eles responderam sem hesitar que tinham feito uma vereda. E para ter a certeza que estávamos a falar da mesma coisa, ainda perguntei o que era uma vereda. Mais uma resposta certeira e com toda a segurança. Recordavam todas as indicações do Zé Maria e o que cada um tinha feito. E recordavam as pessoas que estavam ao seu lado enquanto trabalhavam. E se não é isto que é importante na vida, o que será? Foi assim, que uma simples oficina de construção de uma vereda, se traduziu num momento de aprendizagem e crescimento de excelência destas crianças! Porque há ensinamentos que não vêm nos livros, vêm da natureza e do coração daqueles de quem nos rodeamos! Um grande obrigado aos Amigos da Serra da Estrela!

Marta e Tiago, Zé (9 anos) e João (7 anos)

 
 
 

 

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2 Comentários


  1. Marta,
    Em todo o teu texto, a passagem que mais me marcou, e penso que espelha a essência da ideia é esta: “os meus filhos ficaram por ali… nem sei! Porque naquela actividade todos olham por todos. Existe uma liberdade em segurança que não temos nas cidades. Deixar os miúdos escolherem onde querem estar, vê-los testar as suas capacidades e vê-los relacionarem-se com outras pessoas, são momentos privilegiados nesta dura tarefa que é ser mãe.”
    Com a minha filha tentei sempre incentivar-lhe o gosto pela montanha e o respeito pelas pessoas, pela Natureza e pelas ideias. Talvez seja a minha ‘costela nórdica’, mas acho o conceito de ‘liberdade responsável’ um objectivo a perseguir.
    E acho que o teu texto revela que partilhamos mais do que o gosto pela Serra da Estrela. Continua a deixar os teus filhos aprender, mexendo. O agradecimento é nos seus actos futuros…

    • Maria diz:

      O texto descreve de forma tão harmoniosa e pedagógica a atividade que vivenciaram. Aprendeam mais nesses momentos que aí passaram, nos diferentes domínios que são parte do currículo dos ciclos que frquenram, do que se estivessem fechados nas 4 paredes da escola…
      ” Por as mãos na massa” num cenário desses… vale mais que um período letivo.
      Parabéns aos pais, aos filhos e aos ” mestres” da escola da e na Natural(eza).
      Parabéns à revista Zimbro.l.e à Ase.
      Continuem nesse registo… é o caminho.
      👏🏽🙏🌏👍😘😘😘😘

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