Revista Zimbro
by Amigos da Serra da Estrela
 

2023-11-01

Parque Natural da Serra da Estrela – Que Futuro?

Parque Natural da Serra da Estrela – Que Futuro?

 

Palavras chave

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O Parque Natural da Serra da Estrela nunca teve uma vida fácil. Arrancou com muitas promessas mas com poucos resultados no que à conservação da natureza e ao desenvolvimento assente na sustentabilidade concerne. Neste âmbito, escassam resultados que tenham impacto directo nas populações residentes.

Foi uma Instituição que se anunciava diferente do funcionamento público tradicional, mas os anos mostram-nos que essa mudança não tem sido significativa. Pelo contrário, é possível constatar autoritarismo sem nexo, que tem causado danos graves na vida dos cidadãos. Infelizmente, esta realidade não é novidade nas relações da vida em sociedade. Acontece quase sempre que as chefias não se encontram no local certo. É um pouco disto que tem feito com que a imagem do Parque Natural da Serra da Estrela, ande pelas horas da amargura. É perfeitamente natural que quando se pretende fazer a gestão de um vasto território como o da Serra da Estrela, existam conflitos que resultem de interesses múltiplos.

Casal da Maceira

Casal da Maceira

Mas não acreditamos, no entanto, que alguém ponha em causa os interesses da Serra da Estrela e do seu património natural para proveito próprio. A complexidade de todo um processo, que é por demais evidente, exige muito diálogo, muita fundamentação, que é, justamente, o que mais tem faltado para que todos, sem excepção, possamos dar corpo ao projecto de fazer da Serra da Estrela um espaço conservado e protegido. Um dos fundamentos para a criação do Parque Natural da Serra da Estrela foi a presença humana no seu território – os seus valores patrimoniais, culturais, sociais e religiosos, algo que parece esquecido nos seus gabinetes, que procuram impor-se pelo peso institucional, mais do que procurar reter as condições, necessidades e o saber de quem vive no território.

O deixa andar como forma de fazer com que as pessoas se sintam legitimadas para fazer o que muito bem lhes apetecer ou actuar onde não existam motivos para tal, é o melhor pretexto para retirar credibilidade a qualquer instituição e fazer com que os valores que se pretende proteger possam ser postos em causa, deixando para o futuro, situações bem mais difíceis, mais morosas e mais caras. É evidente a constante degradação da imagem do ICNF/PNSE junto da opinião pública residente na sua área. Acima de tudo, pelas piores razões: denota-se um completo abandono das políticas de conservação, que estão na origem dos problemas que vão sendo criados às pessoas, em grande parte, por ignorância ou incompreensão pela realidade do mundo rural. As áreas mais sensíveis do Parque Natural têm vindo a ser postas em causa com condutas impróprias, sem se notar a mínima preocupação ou intervenção que as anule para benefício do património natural. Não fossem os compromissos internacionais a que Portugal se encontra vinculado, estou certo de que a realidade seria pior.

Estou muito céptico quanto ao futuro das Áreas Protegidas e, mais ainda, do Parque Natural da Serra da Estrela. A actividade de administrar um território constituído por seis municípios é exigente e complexa, em particular, porque os mesmos têm interesses que divergem e, por isso, comprometem a realidade que os devia, na verdade, unir, para benefício comum. É através do conhecimento desta realidade, e de todo o historial que tive oportunidade de vivenciar, que sinto, com muita apreensão, que o novo modelo de co-gestão do PNSE não pode correr bem para o património natural e respectiva conservação. De qualquer maneira, há-que afirmar a influência das anteriores gestões do Parque Natural, pois, em abono da verdade, as Câmaras muito contribuíram para a desorganização dos serviços, que as fez perder a sua energia na orgânica interna, por consequência da procura de uma sede em cada município. Perante estas circunstâncias, pretendia-se que o trabalho fosse canalizado para os objectivos que verdadeiramente importam: a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável, para que daqui resultassem benefícios para a população residente.

A Ministra da Coesão Territorial oferece-nos uma ideia lapidar: “Há uma coisa que eu recuso, é que seja o Governo a dizer ao território o que é que deve ser feito no Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE). Todos estamos de acordo numa coisa: a gestão do Parque tem que mudar; todos estamos de acordo que, tal como está, não é gestão. Todos estamos de acordo que, mesmo em dois meses, se fez uma grande mudança.” Aqui, revelam-se algumas incoerências com o passado e muita ingenuidade, embora as suas palavras possam ser proferidas com sinceridade.

Incoerência, porque a criação do Parque Natural da Serra da Estrela foi uma decisão do Poder Central, nunca tendo sido reivincado por nenhuma Autarquia que o integra. Ao longo destes 46 anos, tampouco foi exigido por algum município integrar a sua direcção, o que denota alguma estranheza, o aparecimento deste modelo de co-gestão. Tudo indicia que perante o acumular de erros de gestões centralizadoras, o Governo procura empurrar a gestão das Áreas Protegidas para os Municípios, por incapacidades próprias. Talvez por isso nunca tenhamos visto da parte dos Municípios qualquer manifestação de preocupação para com a conservação do meio natural. Bastou o novo modelo de co-gestão entrar em funções para vermos como os vários interesses se vão manifestando e, até, contradizendo-se.

Vale do Beijames

Vale do Beijames

Relativamente à chamada “Estrada Verde”, convém recordar que a Câmara da Guarda há muitos tem procurado uma ligação desta cidade à Torre. Impossível de ser levada à prática porque, Seia, que tem território entre as Penhas Douradas e a Lagoa Comprida, nunca irá permitir que ali construíssem uma estrada que lhes iria retirar o trânsito proveniente da Torre, para Gouveia ou Guarda. Daí que vejamos com muita preocupação a importância que a Ministra Ana Abrunhosa lhe atribui, afirmando: “a elaboração do projeto de uma «estrada verde» de ligação de três municípios do Parque Natural da Serra da Estrela é «determinante para revitalizar o território”. É triste, mas a “Estrada “negra” não irá revitalizar o território. Qualquer um deles é servido por boas estradas e todos com ligação entre eles e das suas freguesias. A importância que é dada a esta estrada, é a mesma que um ex-presidente, da Região de Turismo da Serra da Estrela, pretendia, através da abertura de um túnel entre a Covilhã e o Poço do Inferno. Podia tratar-se de um boato, não tivesse eu vivenciado esta história na primeira pessoa.

Os impactes ambientais na Serra da Estrela reflectem-se através da presença de milhares de veículos e do pisoteio excessivo sob os cervunais (prados alpinos), que estão em constante degradação. Além disso, realçam-se as práticas incorrectas adoptadas pelos visitantes, responsáveis por alimentar a falta de informação e conhecimento acerca da biodiversidade da região (e.g. construção de “mariolas”).

De facto, se há estrada que merece discussão, no sentido do seu fecho, certamente é a EN339, entre a Nave de Santo António e a Lagoa Comprida. Bastaria realizar-se um estudo comparativo entre os custos da estrada na sua actual circunstância e se a mesma fosse encerrada. Deste modo, podiam-se analisar os impactos económicos e ecológicos da situação em que se encontra a estrada no momento presente (e.g. manutenção da estrada, consumo/desgaste e segurança dos automobilistas, entre outros). Não obstante a importância do Centro de Limpeza da Neve, os custos subjacentes a esta entidade ultrapassam a necessidade da montanha, já que a Serra da Estrela precisa da neve como o homem precisa do pão para a boca. Para se ter uma ideia mais próxima da realidade, os 15 quilómetros que ligam a Nave de Santo António são problemáticos no que à limpeza de neve concerne. Na verdade, em anos normais de queda de neve, entre estes dois pontos do mapa são fundidos mais de 200 mil metros cúbicos de neve (através da aplicação de salgema nas estradas, uma estratégia que traz consequências à qualidade da água), que são, aliás, fundamentais para o reabastecimento de nascentes e rios. A isto se pode acrescentar que o modelo de gestão turística e de manutenção das estradas proporciona, ainda, a presença de um Corpo da GNR, de Bombeiros e de todo um sistema comercial cuja presença na Torre não se justifica.

 
 
 

 

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1 Comentário


  1. António J.M.Ribeiro diz:

    Muito bom. Infelizmente e como podemos constactar diáriamente a qualidade dos politicos que nos governam é cada vez mais mediocre. Já que não sabem fazer, que olhem para o lado e vejam como fazem os nossos vizinhos espanhóis. Também estou muito céptico quanto ao futuro da nossa serra. São muitos os interesses económicos e o capital e o poder falam sempre mais alto! Resta-nos continuar a remar contra a maré. Abraço. Bem hajas.

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